O Senado do Paraguai |
O jurista Ives Gandra Martins escreve na Folha de São Paulo desta quinta-feira um bom artigo analisando do ponto de vista jurídico-político a recente crise paraguaia. E tem razão ao afirmar que a solução pacífica da crise obedecendo ao mandamento constitucional, revelou-se como "um processo digno das grandes democracias parlamentares". O título original do artigo é "Democracia paraguaia". Transcrevo na íntegra:
Em 1991, fui convidado pelo Ministro da Justiça do Paraguai, com constitucionalistas de outros países latino-americanos, para proferir palestras sobre a Constituição brasileira. À época, o Paraguai se encontrava em processo constituinte, em vias de promulgar a Constituição que hoje rege os destinos da nação.
Entre os temas que abordei, expliquei que toda a Constituição brasileira
fora formatada para um regime parlamentar de governo, só na undécima
hora tendo se transformado numa Lei Maior presidencialista.
Talvez por essa razão, o equilíbrio de Poderes foi realçado ao ponto de,
apesar de nossas crises políticas -impeachment presidencial, crise do
Orçamento, dos anões, superinflação, alternância do poder, mensalão
etc.-, jamais alguém ter falado em ruptura institucional.
O cientista político Arend Lijphart, em seu livro "Democracies", de
1984, detectou, em todo o mundo, apenas 20 países em que não houvera
ruptura institucional depois da Segunda Guerra.
Desses, 19 eram parlamentaristas. Apenas um, os EUA, era
presidencialista. Ulisses Guimarães me pediu o livro emprestado, mas
preferi enviar um exemplar -lembrando da advertência de Aliomar
Baleeiro, que dizia ter amigos que fizeram sua biblioteca com livros
emprestados.
Sou parlamentarista desde os bancos acadêmicos, e sempre vi no
parlamentarismo um sistema de "responsabilidade a prazo incerto": eleito
um irresponsável para a chefia do governo, ele pode ser afastado, sem
traumas, tirando-lhe o Parlamento o voto de confiança.
Já o presidencialismo é um regime de "irresponsabilidade a prazo certo",
pois, eleito um irresponsável, ele só pode ser afastado pelo traumático
processo de impeachment.
O Paraguai adotou o regime presidencial, mas, no artigo 225 de sua
Constituição, escolheu instrumento existente no sistema parlamentar para
afastar presidentes que:
a) Tenham mau desempenho;
b) Cometam crimes contra o Poder Público;
c) Cometam crimes comuns.
Tendo recebido um voto na Câmara dos Deputados e quatro no Senado, Lugo
foi afastado do governo, no estritos termos da Constituição, por mau
desempenho.
É de se lembrar que o Parlamento tem representantes da totalidade da
nação (situação e oposição). O Executivo, só da maioria (situação).
Tanto foi tranquilo o processo de afastamento no Paraguai que não
existiram manifestações de expressão em defesa do ex-presidente. As
Forças Armadas nem precisaram enviar contingentes à rua, e Lugo
continuou com toda a liberdade para expressar as suas opiniões e até
para montar um governo na sombra.
Processo digno das grandes democracias parlamentares. Mas difícil de ser
compreendido pelo histriônico presidente venezuelano, que usa todos os
meios possíveis para calar a oposição e a imprensa, pela aprendiz de
totalitarismo que é a presidente argentina, que tudo faz para eliminar a
imprensa livre em seu país, ou pelos dois semiditadores da Bolívia e do
Equador.
O curioso foi o apoio da presidente Dilma a essa "rebelião de aspirantes
a ditadores", pisoteando a democracia e a Lei Suprema paraguaia a fim
de facilitar a entrada no Mercosul de um país cuja monoeconomia só
permitirá a seu conturbado presidente permanecer no poder enquanto o
preço do petróleo for elevado.
Decididamente, a ignorância democrática na América Latina tem um passado fantástico e um futuro deslumbrante.
2 comentários:
Ives Gandra Martins, sempre grande e preciso em seus artigo e suas aulas. Excelente.
Aluzio,
O doutor Ives Gandra, ao final do seu artigo, me deixa preocupado, feriu de morte meu raquítico otimismo, ao afirmar que a ignorância democrática tem um futuro deslumbrante na América Latina.
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