Por Nilson Borges Filho (*)
O mapa do tempo alertava para uma provável instabilidade em todo o território argentino. Da janela do hotel dava para perceber que o termômetro da Avenida Córdoba marcava 9 graus centígrados. Eram 13 horas em Buenos Aires.
O frio lá fora não era nada convidativo para quem está acostumado com clima ameno de Belo Horizonte.
As principais vias de acesso a Plaza de Mayo estavam sendo tomadas pelos diversos movimentos peronistas, com suas bandeiras e seus tambores, acompanhados pelos gritos de guerra da militância.
A juventude justicialista se fazia presente com estandartes que traziam o rosto estilizado de Eva Peron, entoando cânticos que enalteciam os feitos da protetora dos descamisados.
Grupos de trabalhadores das diversas províncias argentinas surgiam pelas ruas e avenidas portenhas como num passo de mágica e ao som dos seus tambores produziam um espetáculo cuja plasticidade era, naquele exato momento, impossível de definir.
Buenos Aires estava fortemente vigiada por forças federais, pois não estava descartado um confronto dos grupos peronistas com os “caceloreros”.
A presidente Cristina Kirchner vivia, na semana, os seus piores dias desde que assumiu o poder na Casa Rosada, agora com mais de 50% de rejeição.
Por volta das 15 horas de quarta-feira, do dia 18 de junho, o ato organizado pelo grupo duro do governo ligado ao casal K conseguiu mobilizar dezenas de sindicatos para ouvir da presidente dos argentinos, em tom dramático, o chamamento para o diálogo dos “caceloreros”, que com os seus “paros” estavam provocando uma onda de desabastecimento de gêneros alimentícios e combustível por toda a Argentina.
Com as palavras de ordem “Argentina somos todos”, Cristina Kirchner acusou alguns peronistas, como Duhalde, De La Sota, Busti e Carlos Reutemann de estarem preparando um golpe contra o seu governo, aproveitando a insatisfação do setor rural.
A igreja católica entrou em campo e os bispos das províncias Córdoba, Salta e Mendonza solicitaram que o governo e o setor agropecuário encontrassem uma solução para a crise que poderá levar o país a uma fragmentação social.
Aos cristãos, a igreja pediu que todos rezassem com maior insistência e com renovada confiança em Deus para que a Argentina venha a superar esses piores momentos que está vivendo.
A oposição endureceu o seu discurso e culpa o governo pela maneira desastrosa com que tratou o conflito com o campo. Fazendo coro com os peronistas críticos, o governador da província de Santa Fé afirmou que o kircherismo está chegando ao fim e há que se buscar uma alternância de poder para a Argentina.
Duhalde, Reutemann e outros peronistas que fazem oposição ao casal K acreditam que a Coalizão Cívica não conseguirá converter-se em alternativa de poder e qualquer equilíbrio de governabilidade deve sair do próprio peronismo.
Um dos líderes dos ruralistas, Gerónimo Venegas, vem organizando reuniões entre os agropecuaristas e Eduardo Duhalde, uma vez que não encontra espaço para negociar com o peronismo governamental.
Todos esses peronistas críticos, além do prefeito de Buenos Aires, o senhor Macri, estão é de olho na cadeira hoje ocupada por Cristina. Mas não será uma peleja fácil, pois os Kirchner detêm a presidência da República (Cristina) e a presidência do Partido Justicialista (Nestor) e controlam as principais províncias e os mais importantes sindicatos dos trabalhadores.
Na verdade, todo mundo na Argentina de hoje ou é peronista ou pensa que é.
Mas o que está em jogo não se resume na permanência do casal K no poder, mais do que isso é a democracia que deve prevalecer, pois qualquer que seja o resultado dessa crise ela não pode ultrapassar os limites do estado de direito.
(*) Nilson Borges Filho é doutor em Direito, professor e colaborador deste blog.
segunda-feira, junho 23, 2008
Um povo chamado peronista
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