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quarta-feira, julho 02, 2008

O maestro Canedo e a descoberta de György Ligeti

Greg Anderson executando a peça de Ligeti "The Devil's Staircase"

No final do ano passado tive a satisfação de conhecer, através do meu amigo Tambosi, o maestro mineiro Sérgio Antônio Canedo e sua mulher, a Maria do Espírito Santo, também ela uma intelectual de sólida formação literária e musical clássica. Duas pessoas excepcionais. Canedo e Maria estiveram em férias numa das praias aqui da Ilha no final do ano passado.

Descobri então que Canedo trabalha com corais, dentre outras áreas de ensino e pesquisa em música que desenvolve em Belo Horizonte. É maestro, compositor, arranjador e vai por aí. Doutor em música, estudou também em universidade na Alemanha. Antes de aprofundar seus estudos musicais no que concerne à música clássica, Canedo chegou a trabalhar na juventude como pianista na noite em grupos de jazz.

Foi aí que, sabendo de seus conhecimentos jazzísticos e que dirige e faz arranjos para grupos vocais, indaguei se ele conhecia o famoso grupo vocal norte-americano The Singers Unlimited. Bingo! Canedo, para minha satisfação disse que trazia com ele um CD desse grupo com Oscar Peterson ao piano. Copiou e me presenteou com a raridade e, de quebra, fez cópia de mais um: The Ligeti Project II com a fabulosa Berlin Philharmonic Orchestra.

Não conhecia a obra de György Ligeti, já que me dedico mais à música popular, sobretudo ao jazz e à bossa nova pura. Mas esse contato com o maestro Sérgio Canedo, ainda que tenha sido rápido, foi o suficiente para que pudesse mais adiante aprender mais alguma coisa sobre música e, de forma particular, sobre música atonal e erudita.

Algum tempo depois andei vasculhando a internet atrás da obra de Ligeti e no YouTube encontrei muitas coisas desse extraordinário músico. Ligeti nasceu em
Dicsőszentmárton (em romeno: Diciosânmartin, atualmente Târnăveni), na região da Transilvânia, Romênia. Era sobrinho-neto do violinista Leopold Auer. À época, Dicsőszentmárton era um povoado húngaro de população judaica. Ligeti era judeu húngaro.

Na verdade foi um gênio da música. Faleceu em 2006. Enquanto esteve na Hungria, sob o regime comunista, era obrigado a ouvir rádio às escondidas, para ver o que acontecia no desenvolvimento musical, já que a idiotia dos comunistas impunha aquilo que o regime conceituava como “realismo socialista”.

Posteriormente, imigrou para Viena e se tornou cidadão austríaco e foi no mundo livre da tirania comunista que desenvolveu a sua grande obra musical.

Esse contato com o maestro Sérgio Canedo foi fundamental para que pudesse conhecer com mais detalhes aspectos da música atonal que procede principalmente dos estudos de Schoenberg (Arnold Franz Walter Schönberg), também um judeu austríaco que imigrou para os Estados Unidos fugindo do nazismo.

É interessante este aspecto. Ambos, Ligeti e Schoenberg dois grandes gênios musicais; ambos judeus. O primeiro fugiu do comunismo e o segundo do nazismo. Tanto o nazismo como o comunismo abominavam quaisquer experiências artísticas que fugissem aos interesses dos respectivos e regimes e levassem as pessoas a refletir sobre a liberdade. Schoenberg faleceu em 1951, em Los Ângeles, nos Estados Unidos.

O vídeo acima é uma apresentação do extraordinário pianista Greg Anderson, executando The Devil's Staircase (A escada do diabo), um estudo para piano de autoria de György Ligeti. Para os que conhecem um pouco de música dá para perceber nessa peça de Ligeti aspectos da atonalidade e, portanto, representados por uma música que ultrapassa o padrão harmônico fundado num determinado tom e suas variáveis daí decorrentes.

À primeira vista pode até mesmo parecer esquisito. Tem de aguçar a atenção. Não é música para se ouvir da mesma forma como se faz em relação aos gêneros populares, sem demérito para estes.

No mais, quem se interessar a internet está aí para pesquisar e aprender um montão.

Antes de encerrar este post, desejo renovar os meus agradecimentos ao maestro Canedo como qual pude trocar idéias e aprender mais um pouco. Canedo é uma jóia rara nessa Nação botocuda. Ainda bem que existem as exceções, embora sejam elas que confirmam a regra.

9 comentários:

Maria do Espírito Santo disse...

Aluízio, precioso Aluízio!
Fiquei (ficamos) emocionados com a sua imensa bondade e elegância!
Você é que é uma pessoa e tanto! Por que você não vem com o Tambosi pro Festival de Jazz de Ouro Preto em setembro, Aluízio?
Nós iríamos adorar estar com você aqui, meu querido!
Iria ser bom, muito bom mesmo!
Que tal, hein? É ou não é tentador?
Aproveito e mais uma vez me desculpo pelas grossuras que falei com você no blog do Tamba.
Da sua amiga mineira casca grossa,
Maria.

Aluizio Amorim disse...

Maria,
não esquenta não...hehehe...acho que essa sua idéia é por demais tentadora. Quem sabe dou mesmo uma esticada até aí? Há alguns anos estive em Ouro Preto, coisa muito linda demais. Com jazz então, fica prá lá de supimpa. Vou pensar seriamente nisto e articular com o Tambosi.
O texto deste post é uma homenagem a vocês e porque num breve contato com o Sérgio já aprendi um montão de coisas...quem sabe, sabe.
Abração para você e Sérgio
Aluízio Amorim

P.S.: Agora eu tenho é que tomar cuidado para não ouvir muito essas coisas de Ligeti e companhia pois o jazz pode perder a graça...hahahaha

Orlando Tambosi disse...

Vamos nesssa, Aluízio!

Maria do Espírito Santo disse...

Aluízio,
você que é um phoderrimo pesquisador internáutico, veja se consegue a música Constelações, do Anton von Webern.
Eu tentei e neca de pitibiriba!
É uma coisa de doido! Ma-ra-vi-lho-sa!!!

Aluizio Amorim disse...

Caríssima Maria,
vou tentar. Se achar encaminho o link para você.
Abs
Aluízio Amorim

Sérgio Antônio Canedo disse...

Querido Aluízio,

Suas palavras me deixam lisonjeado, não por uma mera satisfação narcísica, mas porque me alegra poder ser veículo de algum esclarecimento nesse mundo. Ligeti, em minha visão, depois de passado o século e as propostas de tantos, é o grande compositor da segunda metade do século XX. É uma audição sempre rica, já que seu domínio da poética musical é completo, seja das questões de harmonia, contraponto, instrumentação, orquestração,(da história, portanto)o das várias e novas propostas e também dos fenômenos acústicos que envolvem a produção do som. Interessante é que se fala tanto em harmonia, e acho que ele a compreendia como poucos, pois sua música apresenta o resultado do conhecimento da harmonia sob o ponto de vista acústico e suas complexas extensões. Se falamos em contraponto, "Lontano", que consta do CD que lhe dei, é uma estrutura canônica estensa e lenta, que vai acumulando sons, se avolumando e isso é feito com enorme maestria e domínio dos meios. A nota longa que inicia a música, aparentemente um som contínuo, não deixa de sê-lo, mas é passado de instrumento à instrumento de forma imperceptível, sem ataques evidentes. Assim, ela muda de cor em toda aquela extensão. Isso é o que Schoenberg denominou "Klangfarbenmelodie" (melodia de timbres), mas que alí, uma vez ser a nota inicial da imitação canônica, é um som que é também imitado pela variedade dos timbres. Seria como dizer que o tema canônico inclui a cor na temática. Ao mesmo tempo que é variado, é o mesmo, no que se refere à altura da nota. Imagina o que é a extensão desse pensamento para a continuidade do canon...

Estou lisonjeado, repito, e, agora ainda mais, convoco-o em caráter irrevogável para que venha aqui com o Tambosi para o Festival de Jazz de Ouro Preto. Estamos esperando você! Muito obrigado mesmo.

Sérgio Antônio Canedo disse...

Chamem um revisor! "extensa"... sorry

Maria do Espírito Santo disse...

Aluízio,
Já mandei um mail pra pousada onde vamos ficar e incluí seu nome na reserva, viu?
Convocação é convocação.
Venha. Não aceitamos desculpas de nenhuma natureza.

Aluizio Amorim disse...

Salve Maria e Sérgio:
obrigado pela distinção do convite. Conversaremos sobre a minha ida até aí ainda esta semada.
E agradeço ao Sérgio pelo comentário e as informações que acrescenta. Abração do Aluízio Amorim