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sábado, novembro 22, 2008

Diogo Mainardi: Penso, mas existo?

Esta é a íntegra da coluna do Diogo Mainardi na revista Veja que foi às bancas neste sábado:

Descartes pode me arruinar. Ele mesmo, René Descartes, o pensador francês do século XVII, do Discurso do Método.

Na última semana, ele se materializou em meu escritório, com aquele seu aspecto de lateral-direito do Boca Juniors, e ordenou que eu aplicasse imediatamente todas as minhas economias na bolsa de valores. O que fiz? Fechei os olhos e obedeci.

Eu já tinha pensado em fazer o mesmo em meados de outubro, quando Warren Buffett, num artigo para o New York Times, anunciou que aplicaria todo o seu dinheiro no mercado acionário dos Estados Unidos.

Ele ditou uma regra simples para orientar os investimentos na bolsa de valores: "Tenha medo quando os outros estão gananciosos, e seja ganancioso quando os outros estão com medo".

Do dia em que o artigo de Warren Buffett foi publicado até este momento, o Dow Jones já despencou mais de 15%. Em vez de contrariar o senso comum, obedecendo à regra de Warren Buffett, tive medo quando os outros tiveram medo e me dei tremendamente bem.

Mas Warren Buffett é Warren Buffett e Descartes é Descartes. Em latim, o truísmo soaria melhor. Se Descartes ordena, estou pronto a me sacrificar.

Ele determinou meus investimentos na bolsa de valores por meio do livro Os Axiomas de Zurique, de um certo Max Gunther. Retificando: ele determinou meus investimentos na bolsa de valores por meio de um trecho do press release de Os Axiomas de Zurique, porque nem precisei ler o livro.

O trecho dizia que, para especular com sucesso na bolsa de valores, é preciso fazer como Descartes, duvidando sempre das verdades estabelecidas.

Dito de outra maneira: se todos estão fugindo da bolsa de valores, pode ser uma boa oportunidade para entrar nela. O que eu fiz? Entrei.

"Penso, logo existo." Em latim, soa melhor: "Cogito, ergo sum". Segundo Os Axiomas de Zurique, o principal enunciado de Descartes sugere que o investidor pense por conta própria. Eu fiz o oposto: deixei que Descartes pensasse por mim.

Assim como as ações da Aracruz, a metafísica cartesiana atingiu um novo mínimo. A única certeza que eu tenho é: "Descartes pensa por mim, logo Descartes existe".

A rigor, nem isso. Eu só posso afirmar sem titubear o seguinte: "O vulgarizador de Descartes me meteu nessa baita enrascada da bolsa de valores, logo o vulgarizador de Descartes existe".

De fato, seguindo o método de Descartes, nada impede que eu seja apenas um produto da mente de Max Gunther, o autor de Os Axiomas de Zurique. Nesse caso, quem arcará com o prejuízo não serei eu, e sim ele.

Quem terá de mendigar nas ruas não serão meus filhos, e sim os dele. Por isso, para mim não importa se os aloprados do governo brasileiro decidiram aumentar o salário dos servidores em mais de 40 bilhões de reais.

Com toda a probabilidade, eu nem existo.

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