Vale a pena ler, principalmente pelo fato de que explica o fenômeno que fez despencar sobre parte do território catarinense um volume de água inaudito.
Sem resvalar para o ecochatismo oportunista, Veja faz um balanço minucioso que se revela importante para balizar a ação das autoridades na tarefa de reconstrução de uma das áreas mais desenvolvidas do Brasil e de toda a América do Sul.
FORÇA CATARINENSES!
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Especial
O horror diante dos olhos
As causas, o desespero e os prejuízos do dilúvio que
atingiu o coração de Santa Catarina, um dos estados
mais prósperos e desenvolvidos do Brasil
Igor Paulin e Duda Teixeira, de Santa Catarina, e José Edward
Moacyr Lopes Júnior/Folha Imagem |
Salvação pelo ar |
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Na era das grandes navegações, a palavra "procela" entrou para o vocabulário da língua portuguesa. Procelas são as fortes tempestades que se formam em alto-mar.
Na semana passada, uma procela se adensou, não sobre o oceano, mas nos céus da próspera Santa Catarina.
Quando ela despencou sobre as cidades, foi com uma fúria e constância jamais vistas, mesmo numa região historicamente sujeita a precipitações caudalosas e enchentes.
Apenas na Blumenau dos laboriosos imigrantes alemães, caíram, em cinco dramáticos dias, 300 bilhões de litros de água. Sim, bilhões – o suficiente para abastecer a cidade de São Paulo durante três meses.
Outra comparação é ainda mais impressionante: se esse volume hídrico fosse despejado dentro de uma torre com uma base de 1 metro quadrado de área, a construção teria de ter 300.000 quilômetros de altura – quase a distância entre a Terra e a Lua.
A primeira das mais de 100 vidas ceifadas por tamanho horror foi a da menina Luana Eger, de 3 anos. No sábado 22, um barranco deslizou sobre a casa em que ela morava, soterrando-a.
A mãe de Luana, Virgínia, e seus irmãos Juan, de 7 anos, e Rafael, de 5, escaparam da morte. Seu pai, o comerciário Evandro Eger, estava fora da cidade quando soube do desastre.
Restou-lhe comprar num supermercado o vestido cor-de-rosa com o qual enterrou a filha no dia seguinte. "Era a cor preferida dela", disse ele. Evandro e Virgínia ainda conseguiram dar um funeral razoavelmente digno à menina.
Muitas das vítimas foram enterradas em caixões improvisados, e nem sempre em cemitérios, mas em quintais. Até sexta-feira, dezenove pessoas continuavam desaparecidas.
Boa parte delas pode ter sucumbido em decorrência de afogamentos e dos 4.000 deslizamentos registrados no estado.
Somados, desabrigados e desalojados chegam a 79.000. Dos 293 municípios do estado, 49 foram atingidos. Catorze deles decretaram estado de calamidade pública. Nessas cidades, os sobreviventes lutam contra a fome e doenças pestilentas. E, como se não bastasse a desgraça, tentam evitar saques no que sobrou de suas casas e negócios.
Foi a maior calamidade já ocorrida em Santa Catarina, que registra grandes enchentes desde 1852. Em que pese o que possa ter havido de desídia ou incompetência por parte das autoridades na prevenção da tragédia, ela foi, sobretudo, resultado de uma combinação catastrófica de dois fatores – um meteorológico e outro geográfico.
O primeiro começou a tomar forma no dia 20 de novembro, quando um anticiclone estacionado em alto-mar, na altura do Rio Grande do Sul e do Uruguai, levou chuvas para o litoral catarinense.
Anticiclones são sistemas de alta pressão que, no Hemisfério Sul, originam ventos em sentido anti-horário. Eles são comuns no litoral catarinense e no gaúcho, de onde sopram ventos do Oceano Atlântico em direção ao continente.
Isolados, não têm a força de causar grandes estragos e sua duração numa mesma região não costuma ultrapassar três dias. Só que, desta vez, por causa de um bloqueio atmosférico, isso não ocorreu.
Até sexta-feira, o anticiclone permanecia no mesmo lugar. Ainda que extraordinária, sua longa permanência não teria causado a tragédia não fosse o fato de um segundo fenômeno – o vórtice ciclônico – ter ocorrido simultaneamente a ele.
Ao contrário do anticiclone, o vórtice ciclônico é um sistema de baixa pressão que atrai ventos e gira no sentido horário. Como indica o nome, ele funciona como um redemoinho em altitudes médias, e também não é um fenômeno estranho à região.
O problema surgiu da combinação com o anticiclone: o vórtice ciclônico suga os ventos imediatamente abaixo dele, levando-os para cima, resfriando-os e – de novo – provocando chuvas.
Foi assim, por meio da ação extraordinariamente simultânea de dois fenômenos ordinários, que os índices pluviométricos na região atingiram patamares de dilúvio.
Fotos Moacyr Lopes Júnior-Folha Imagem e David J. Phillip-AP |
À SEMELHANÇA DO KATRINA |
O perfil geográfico era o detalhe que faltava para desenhar a tragédia. A camada superficial que recobre o solo do Vale do Itajaí, a região mais afetada pelas chuvas, é de composição argilosa – o que faz com que se desloque mais facilmente.
Encharcada pela chuva forte e constante, essa camada ficou mais pesada. Somem-se a isso a declividade das encostas, os desmatamentos, as ocupações desordenadas e o resultado são deslizamentos destruidores, o principal causador das mortes no litoral catarinense e no Vale do Itajaí.
O risco passou despercebido das autoridades. Já sob chuva grossa, pouco antes da morte da menina Luana, a Defesa Civil garantiu à população de Blumenau que não havia perigo.
No fim da tarde daquele sábado, porém, o nível dos córregos que cortam a cidade começou a subir rapidamente. O Rio Itajaí-Açu transbordou as barragens e, em poucas horas, elevou-se 12 metros acima de seu nível normal.
As chuvas provocaram deslizamentos e desmoronamentos. Como 40% da população local reside em encostas, todas as classes sociais foram afetadas.
A tormenta levou vidas e deixou, em seu lugar, histórias pungentes. No domingo 23, o operário André Oliveira, de 29 anos, deixou a família na casa de um parente, no município de Gaspar, e foi ao mercado.
A poucos passos do portão, ouviu um estrondo. Ao olhar para trás, viu a mulher na varanda e os filhos no quintal. "Saiam daí", gritou. Não deu tempo. O morro próximo veio abaixo soterrando, além da sua casa, uma dezena de outras.
Oliveira ainda ouviu o choro da filha de 3 anos, Ester. Tentou tirá-la dos escombros, mas dois novos desabamentos se sucederam. Quando resgatou os corpos, viu que sua mulher morrera abraçada à menina. "Ainda não parei de chorar", disse ao repórter Duda Teixeira.
Jonathas Cesario/Reuters |
ARCA DE NOÉ |
Na cidade de Ilhota, mais especificamente no bairro do Baú, registrou-se o maior número de óbitos: 32. Foi lá que o caminhoneiro Zairo Zabel, de 37 anos, perdeu a mulher e os dois filhos, de 13 e 7 anos.
Também no domingo passado, Zabel voltava para junto da família quando soube da enchente. Largou o caminhão no meio da estrada e arrastou-se por 12 quilômetros com água na cintura, até descobrir que sua casa havia sido tragada por uma avalanche.
O corpo de seu filho mais velho, Marques, foi encontrado boiando pelos vizinhos. O do mais novo e o de sua mulher ainda estão possivelmente debaixo dos destroços. "Só sobrei eu", chorou Zabel, em conversa com o repórter Igor Paulin.
No dia seguinte, a catástrofe aniquilou outra família na cidade de Rodeio. Um morro desfez-se sobre a propriedade mantida há mais de um século pelos descendentes dos Eccel, italianos que chegaram ao Brasil em 1885.
Sob uma viga da casa, morreram abraçados o casal Dario e Giacomina e suas filhas Kendy, de 15 anos, e Kelly, de 7. Kevin, de 13, conseguiu escapar, mas ainda se lembra da mãe gritando "Aiuto!", socorro em italiano. Da família, além do garoto, só restou Keylla, de 5 anos, que se salvou do desastre.
Os prejuízos econômicos da catástrofe ainda não podem ser calculados em toda a sua extensão. O governo estadual estima que precisará, por baixo, de 280 milhões de reais apenas para reconstruir estradas, pontes e outras obras de infra-estrutura.
A conta não inclui a reparação do Porto de Itajaí. Maior do país no setor pesqueiro e vice-líder em movimentação de contêineres, o Itajaí perdeu três de seus quatro berços. Estão parados lá 100 dos 450 contêineres que a Embraco, líder mundial na produção de compressores herméticos, exporta por mês. Outros sessenta contêineres de matérias-primas importadas esperam para ingressar no país.
Só para recompor o porto são necessários 300 milhões de reais. Enquanto seus cais estão interditados, o país perde 77 milhões de reais por dia em exportações. A empresa estadual de gás de Santa Catarina ainda terá de gastar 50 milhões de reais para sanar o rompimento da tubulação num dos trechos do gasoduto Brasil-Bolívia.
Levará três semanas para que o fornecimento desse ramal seja restabelecido. Até lá, as indústrias de cerâmica do estado, que dependem de gás para produzir, perderão 7 milhões de reais por dia. Os agricultores projetam prejuízos de 200 milhões de reais, a indústria têxtil, de 136 milhões, e o turismo, de mais de 120 milhões.
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva sobrevoou as áreas destruídas quatro dias depois de a calamidade se abater sobre o estado. Afirmou que liberaria 2 bilhões de reais para socorrer Santa Catarina. Quando as águas baixarem de vez, os catarinenses precisarão secar as lágrimas para reconstruir sua linda terra.
Fotos Hermínio Nunes/Ag.RBS/AE, Patrick Rodrigues/Ag. Rbs, Marco Gamborgi/Mafalda Press, Piero Ragazzi/Mafalda Press/EFE e Artur Moser/Ag. RBS/AE |
Lama, destruição e fome |
Fotos Marcos Porto/Ag. RBS, Moacyr Lopes Júnior/Folha Imagem e Fernando Donasci/Folha Imagem |
Uma ilha de corpos |
Reprodução | A primeira vítima |
Guto Kuerten/Ag. RBS |
NEGÓCIOS PARADOS |
Flávio Neves/Ag. RBS/AE |
Fila de túmulos |
Ricardo Stuckert/PR |
Tarcisio Mattos/Tempo Editorial | O pior dos pesadelos |
2 comentários:
O Lulla se esquece que como presidente ele tem bônus e ônus.
Ele deveria se espelhar em todos os outros presidentes e descer do helicoptero para dar um apoio verdadeiro. Afinal, para abraçar o Chaves no Tocantins ele não se atolou na lama??? Cena que foi transmitida por todos os jornais televisivos... Seu passeio aéreo não passou de marketing.
Oi! Acho que vou denunciar seu blog por quebra de copyrigths, capitalista da minha parte, não?
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