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quarta-feira, abril 25, 2012

CRÔNICA: Carta a um mestre.

Por Mário Gentil Costa (*)

Caro Mestre,
Acho que arranjei "sarna pra me coçar". Acabo de ler duas vezes sua exposição acerca do que se convencionou chamar "futuro espiritual".


De fato, não esperava um ensaio a respeito do assunto, e sim, uma definição pessoal de como você vê o aludido conceito. Lembro-me de que lhe disse da minha antiga e crescente dificuldade em lidar com a idéia da sobrevivência independente do espírito, como se fosse uma entidade com essência e natureza próprias. E isso, até onde pude perceber, não foi enfocado. Em suma, a seu ver, o homem, como ser vivo individual, sobrevive à morte do corpo?

Sua alusão a Rumi, místico persa do século XIII, é muito interessante, considerando sua antiguidade, pois, naquele tempo, ninguém, ou muito pouca gente, seria capaz de perceber o sentido organizacional ascendente dos três estádios da matéria macroscópica - mineral, vegetal e animal - que culminaram no homem e sua crescente complexidade mental.

Entretanto, não sinto por que entrever, a partir desse máximo estado, outro, ainda mais alto, que sobreviva conscientemente sem substrato físico. Quem sabe, esse sábio, diante da constatação de que sua consciência era a última que poderia testemunhar como pessoa viva, resolveu deixar no ar, para seus pósteros, uma indagação instigante a respeito de um quarto e eventual estágio? Sim, porque, até onde ficou dito, ele não definiu nada, não previu nada; só deixou a interrogação para que outros pensassem a respeito.

Quanto àquela que hoje ocupa as mentes angustiadas de tantos cientistas - a matéria/energia subatômica da mecânica quântica - acho que, pela sua própria complexidade, tem dado margem a especulações tendenciosas, nem sempre científicas, por parte de gente despreparada que quer, a todo custo e se aproveitando das incertezas (de Heisenberg & Cia), meter o bedelho num território ainda pouco explorado e tirar dali, com propósitos proselitistas, o elo com a espiritualidade, a ponto de tentar despudoradamente conferir ao elétron e eventuais partículas menores, com seus complicados nomes,  alguma forma de consciência. Tudo o que li a respeito me cheira a impostura, a fraude, a oportunismos desavergonhados. E acho que o grande elo para o entendimento disso que se convencionou chamar de "espiritualidade", ao contrário do que sonham os tais místicos, não está lá. Mas quem sou eu para garantir?

Como você, com a vivência e, sobretudo, o acesso às antigas fontes habitualmente guardadas nos alfarrábios, privou, além disso, da convivência com mentes privilegiadas que, até onde suponho, dedicavam seu tempo e reservas mentais a tais cogitações, imaginei que tivesse desenvolvido sua própria visão dessa dúvida atroz e inefável que aflige a todos nós, os comuns.

De fato, se a ciência evoluísse a ponto de podermos retroceder no tempo - sonho que, por enquanto, não passa de ficção e não parece viável na opinião dos maiores físicos da atualidade, incluindo Stephen Hawking - teríamos, no mínimo, meios infalíveis de desmoralizar todos os testamentos religiosos que vêm embromando a verdade, confundindo e subjugando o homem crédulo com dogmas falaciosos e condicionando o comportamento das massas desde os tempos mais remotos. Veríamos - estou convencido disso - tombar à beira do caminho, um a um, todos os ídolos erigidos pela prepotência e pela mentira institucionalizada.

No que me custa acreditar é que, "mesmo desvestidos todos os mitos fabricados pelos sistemas religiosos" – palavras suas – viesse esse fantástico salto fazer perder a humanidade o medo do aniquilamento pessoal pela morte.

O que me fascina é o aparente paradoxo de ser o tal espírito tão poderoso e independente a ponto de sobreviver à morte sem perda de todos os seus talentos e, ao mesmo tempo, ser tão frágil e impotente para curvar-se, em termos de manifestação, às injúrias cerebrais agudas produzidas por um mero AVC ou à devastação progressiva da identidade, causada pela caduquice do envelhecimento, que hoje adotou o pomposo nome de doença de Alzheimer, capazes, ambos, de transformar um gênio num lastimável imbecil que perde a fala, urina e defeca nas próprias calças e dá os maiores vexames. Caso de um papa recente, que, apesar de não ser gênio, foi lúcido. Caso de tantos conhecidos nossos, que foram e deixaram de ser espíritos agudos. Conheci vários. Você também.

E, uma vez morto o cérebro – que a meu ver é sua sede indiscutível – essa misteriosa e impalpável entidade readquire, na mais absoluta imaterialidade, como por milagre, por passe de mágica, toda a sua grandeza e potência.
Isso não faz o menor sentido, e não há sábio persa nem lama tibetano que me convença do contrário. Na minha modesta opinião e na minha lamentável ignorância, nada sobrevive à morte física. Morreu, acabou! C'est fini, se é assim que se escreve.

O homem, único animal que lembra o passado e prevê a morte, não quer morrer, o que é muito justo e compreensível. E, alimentando esse sonho por se considerar a figura central do espetáculo da vida, projetou toda essa parafernália de crenças para dar sustentação à sua ânsia de permanência, a ponto de fantasiar a hipótese de que o universo foi feito para seu desfrute. Ele nada mais é do que o pináculo atual da evolução biológica na Terra, mas, como todas as outras espécies, mesmo progredindo ainda mais, vai acabar um dia. O próprio planeta será devorado pelo Sol, quando este, esgotadas as reservas de sua atividade termodinâmica, queimar sua última molécula de hidrogênio e explodir numa luminosa Gigante Vermelha, como já aconteceu em Antares, a estrela mãe da constelação do Escorpião. A astrofísica afirma isso e ela dificilmente se engana porque lida com dados concretos e previsíveis. E estamos nós aqui a sonhar com eternidades, quando a única coisa realmente eterna é o ser – no sentido cósmico – ao contrário do nada, do não-ser. 

Estou convencido de que, se o chimpanzé pensasse com a mesma qualidade, também teria criado o próprio Deus, construído igrejas e feito proselitismo da própria imortalidade. Seria inevitável. Veríamos, por aí, bandos e bandos de primatas contritos indo à missa dominical e enganando-se uns aos outros. Por que não os vemos? Simplesmente porque não cogitam de nada disso...

E tem mais: - se nós temos o aludido direito à imortalidade, eles, por questão de justiça e equidade, também têm. A rigor, até as amebas têm, pois obedecem ao mesmo ciclo vital: nascem, crescem, reproduzem-se e morrem.  Que fazemos nós além disso? Nossa primazia é apenas quantitativa, mas, orgulhosos, não nos envergonhamos de negar a tais seres seu igual direito individual à permanência. E, cheios de empáfia, com a maior cara-de-pau, fantasiamos...

O que sobra, no fim, a meu ver, é o sonho; o sonho que nos embala as esperanças vãs. E que termina no aniquilamento definitivo de cada vida. Se estiver errado, meu caro, estarei. Mas sou honesto em minha descrença. E, se algum dia, morto e enterrado, eu tiver, de novo, consciência de mim mesmo e me vir diante de algum tipo de julgamento divino, também serei honesto. Direi, simplesmente:

"Desculpe-me, senhor, mas a culpa é mais sua que minha: - nunca me  acenou com sinais suficientemente evidentes para crer".

(*)Mario Gentil Costa é médico, escritor e artista plástico com destaque para o desenho, pintura e escultura.

2 comentários:

Anônimo disse...

Esse texto eh uma copia descarada de Bertrand Russell. Ajudaria bastante a causa ateista se os proponentes se comprometessem com as boas normas e ao minimo citassem suas fontes...

Anônimo disse...

À mim parece triste, melancólico até, ver a descrição de quem apenas tem como perspectiva o nada, o não existir como realidade do "amanhã" cultivado por excelentes cabeças, e mais, ainda viessem a ver ou sentir algum vislumbre do "algo espiritual" estariam atiçados a buscar qual a formula química que teria engendrado aquele inconcebível fantasma.
Não é hilário, é triste (tudo bem que estão felizes assim, cada um com sua perspectiva).
W.S.Camy