Depois da palestra alongamos o papo num restaurante em jantar organizado pelos jovens entusiastas do trabalho de Constantino, economista da nova geração, ainda jovem, que não divaga em torno de teorias ditas heterodoxas e vai diretamente ao ponto, como fez em seu livro "Privatize Já". Simples, direto, com análises densas porém sem abusar do economês e muito menos de um certo academismo afetado que tipifica os supostos intelectuais da 'esquerda caviar', deixou por aqui as melhores impressões.
Portanto, vale muito a pena dar uma passada diária em sua coluna no site da revista Veja. Seus textos são objetivos do começo ao fim e de leitura fácil, ainda que possa abordar temas complexos.
Por isso pincei lá de sua coluna um desses seus ótimos escritos que foge do lugar comum ao qual estão acostumados os leitores. Refiro-me ao fato de que a maioria dos articulistas da grande imprensa continua patinando no esquerdismo e resvalando amiúde pelos desvarios do pensamento politicamente correto. Então, ler Rodrigo Constantino, é um bálsamo. Trata-se de um artigo que se refere a um interessante no colóquio do Liberty Fund, cuja reunião ocorreu em Miami (EUA) na semana que passou e da qual Constantino participou. O texto original do artigo é "Liberalismo e religião. Ou: A virtude da empresa".
Notem que o repertório de Rodrigo Constantino vai muito além do que se estava acostumado a ver e ouvir. Isto é animador, porque teremos, com absoluta certeza daqui algum tempo - e não demora - um debate político, econômico e social que começará a desmontar o tabu, segundo o qual nada há para ser pensado e analisado que vá além dos cânones do falido marxismo. E nesta tarefa que leva adiante a oxigenação cultural e política no Brasil, Rodrigo Constantino está entre os pioneiros. Leiam:
Participei hoje de uma sessão de debates muito interessante no colóquio do Liberty Fund aqui em Miami, sobre o papel da religião no liberalismo. O texto sugerido como base das reflexões foi “The Virtue of Enterprise”, capítulo do livro This Hemisphere of Liberty, de Michael Novak. Trata-se de uma peça bem instigante.
Novak resgata o legado católico dos Whigs, que colocaram os valores morais como tendo primazia sobre a política ou a economia. A razão, segundo ele, é que qualquer sistema social dedicado à liberdade humana deve reconhecer o ativismo moral e a responsabilidade inerentes ao uso da liberdade.
O que tal postura faz é colocar uma responsabilidade moral nos indivíduos em relação aos demais. Por exemplo: se ninguém soubesse como criar riqueza e sair do estado natural de miséria, então a pobreza seria apenas um fato. Mas, uma vez que a sociedade sabe como evitar a pobreza e prosperar, então a miséria passa a ser imoral.
Por essa ótica, a economia seria tanto uma arte moral como social. As instituições deveriam ser arrumadas de tal forma que maximizassem a criatividade econômica, para beneficiar o todo. A invenção humana é a grande responsável pela riqueza das nações. Logo, ela deve ser valorizada do ponto de vista moral pela sociedade.
O capitalismo é esse sistema que favorece o bem-geral. Hayek pontuou, por exemplo, que o capitalismo não necessariamente beneficiou tanto a duquesa, que já tinha meias de seda, mas sim as trabalhadoras mais pobres, que atualmente podem comprar meias de seda também.
O que Novak está dizendo, então, é que a moralidade do capitalismo está justamente nessa criação de riqueza que retira as pessoas do estado natural de miséria. As sociedades precisam ser educadas no sentido de compreenderem a importância disso, assim como da responsabilidade individual, que vem junto com a liberdade.
Tocqueville, que foi um dos grandes Whigs católicos, observou que as sociedades republicanas precisam preparar seus cidadãos para esse autogoverno. Se cada um não puder governar sua própria vida, como todos vão mutuamente governar uns aos outros na vida social?
Quando os vícios destroem a moralidade anexada aos conceitos de responsabilidade e autogoverno, o sistema social entra em colapso e as empreitadas individuais acabam em ruínas. Por isso seria tão importante valorizar o empreendimento individual, a capacidade de insight de cada um, o hábito de vislumbrar novas possibilidades.
A virtude da empresa, para Novak, está no ensinamento de que cada um assume seus riscos, enfrenta suas dificuldades, e desfruta da satisfação de ser o próprio mestre em seu destino. Ainda assim, trata-se de algo inerentemente social. Produzir bens e serviços que ninguém valoriza não faz sentido. O empreendedor é levado a estudar as necessidades e os desejos dos outros.
Eis o resumo simplificado do ponto de vista de Novak. Houve algumas contestações de que o catolicismo, especialmente na América Latina, não tem servido para reforçar tais valores, e sim condenar o empreendedorismo e o lucro. A ligação com a Teologia da Libertação, que casou de forma nefasta Cristo com Marx, acabou influenciando negativamente nossa igreja.
O que ficou claro entre os presentes é que a Bíblia pode servir para ambos os lados. Há passagens que reforçam a interpretação de Novak, e outras que servem aos esquerdistas. Por essas e outras o grande economista austríaco Mises preferia separar totalmente religião de liberalismo. Para ele, a religião fala de outra vida, enquanto o liberalismo lida apenas com este mundo, tolerando todo tipo de fé religiosa, desde que ela não se meta com os temas mundanos.
Como não poderia deixar de ser, foi levantada a questão de se o tecido moral da sociedade se sustenta sem a religião. Os cientistas sociais que previram o declínio da religião no mundo moderno erraram, pois algo como 85% dos 7 bilhões de habitantes na Terra dizem seguir alguma religião.
Pode uma sociedade prescindir da religião? Pode um código moral que estimula a virtude e condena o vício ser sustentado apenas pela razão, como pensava Ayn Rand ou Humboldt? Há ou não o risco de cairmos no niilismo, no excessivo relativismo moral, o drama do humanismo moderno? Dostoevsky estava certo ao afirmar que, sem Deus, tudo é permitido?
Um dos participantes trouxe para o debate a frase que Sêneca teria dito: “A religião é vista pelas pessoas comuns como verdadeira, pelos inteligentes como falsa, e pelos governantes como útil”. Até que ponto a religião é útil ou mesmo necessária para governar o povo?
Algumas pessoas encontram ou inventam um sentido para suas vidas nas artes, na literatura, na música. Mas não seria apenas uma pequena minoria capaz de driblar o desespero da falta de sentido dessa forma?
Como se pode ver, foram feitas mais perguntas do que tivemos respostas. Eu mesmo, um ateu capaz de respeitar o legado das religiões na civilização, fui o autor de várias dessas perguntas. E minha sugestão foi a seguinte: não sabemos as respostas, mas parece que é algo bem atávico do ser humano abraçar alguma religião. Temos mais de cem mil catalogadas desde que o homem é homem.
Sendo assim, parece-me uma estratégia perigosa a de Mises, de simplesmente ignorar esse aspecto importante na vida das pessoas e defender o liberalismo de forma totalmente autônoma. Ou talvez seja ainda pior a postura de Ayn Rand, antagônica às religiões. Parece uma batalha fadada ao fracasso do ponto de vista prático.
Por isso confesso ter certa simpatia pelo belo esforço de Novak, de pegar o catolicismo e usá-lo para o lado de cá, ou seja, para a defesa moral do capitalismo e do empreendedorismo. Por que deixar a religião de mão beijada para o uso (indevido) das esquerdas? Seria uma boa o Papa Francisco ler o livro de Michael Novak… Da coluna de Rodrigo Constantino/site Veja
Nenhum comentário:
Postar um comentário