Em outras palavras, muito bem escritas, Mainardi, de certa forma, está dizendo também o que sempre afirmo: o Brasil é o lixo ocidental. Eis o texto:
Eu sou BBB- Você é BBB-
Gilberto Freyre chegou perto. Bem mais perto do que Caio Prado Júnior e Sérgio Buarque de Holanda. Em todas as suas obras, eles se dedicaram a interpretar o Brasil. Mais do que isso: eles se empenharam em definir o Brasil. E fracassaram.
Quem finalmente realizou o feito foi a Standard & Poor’s. Seus analistas acabam de definir o Brasil como BBB-. O país cabe inteirinho nessa nota. Pode jogar fora aquela sua cópia surrada de Casa-Grande & Senzala. O debate nacional está encerrado. O Brasil é BBB-. Eu sou BBB-. Você é BBB-. Um dia, com certa dose de sorte, poderemos nos tornar BBB+.
Pelos critérios da Standard & Poor’s, o Brasil é um bom pagador. O fato de ser classificado como BBB- equivale a ter o próprio cadastro aprovado no crediário do Ponto Frio.
Já dá para comprar um freezer a prazo no mercado financeiro mundial. Depois de obter o reconhecimento internacional, o Brasil foi tomado por uma onda de euforia. O assunto contaminou todos os debates.
Um professor de medicina da Universidade Federal da Bahia declarou que o batuque do Olodum é um exemplo de primarismo musical. O presidente do Olodum reagiu comparando-o a Adolf Hitler, e acrescentou que o grupo, como o Brasil, tem sua "qualidade reconhecida internacionalmente". Isso significa que, numa hipotética Standard & Poor’s da música, o primarismo do Olodum estaria na categoria BBB-.
Se o risco de tomar um calote por aqui diminuiu, o risco de tomar um tiro na testa continuou igual.
No mesmo dia em que os jornais comemoravam o BBB-, conferido pela Standard & Poor’s, O Globo publicou uma reportagem sobre os 18.000 cadáveres recolhidos todos os anos das ruas do estado do Rio de Janeiro.
Em média, cada cadáver demora sete horas para ser recolhido pelo Corpo de Bombeiros. Esse também é um bom critério para classificar os países: o grau de naturalidade com que se relatam os horrores cotidianos. Em 23 de abril, O Globo deu a seguinte notícia, escondida numa página interna, num bloco de 7 por 7 centímetros:
"Parte do corpo de uma mulher foi queimada ontem em plena Avenida Brasil, na altura de Guadalupe. Segundo testemunhas, homens trouxeram o corpo da Favela da Eternit. A mulher teve cabeça, braços e pernas arrancados. O tronco, então, foi colocado dentro de pneus para que os bandidos ateassem fogo".
Depois disso, nada mais. A mulher esquartejada e incinerada sumiu do noticiário. Ninguém se espantou com sua morte. Ninguém tentou interpretá-la. Pode jogar fora seu Gilberto Freyre. Pode desmembrá-lo, colocá-lo dentro de pneus e atear-lhe fogo.
O Brasil é ainda mais rudimentar do que ele supunha. Nosso primarismo é ainda mais bestificante. Aqui só resta um Olodum mental, um dum-dum-dum mental.
3 comentários:
Olá Aluizio! Quanto tempo! =)
Ótima análise. É o horror como tudo o mais é considerado bom e satisfatório porque a economia (ou a expectativa) vai bem; como o dinheiro, que é algo bom, vai comprando os princípios, a crítica, etc. Mas chega um momento em que isso não dá mais certo, isso vai cansando as pessoas. Não sou uma otimista, mas tenho esperança.
Abraço.
Nós que (sobre)vivemos aqui no RJ já transcendemos este estágio. A violência banalizou-se a tal ponto que nem isto escandaliza. Talvez quando arrastarem um bebê preso na cadeirinha pelo cinto de segurança pelas ruas, aí tenhamos alguns dias de comoção.
E tem mais, Aluízio: aqui é o Estado onde a polícia mais mata e morre dentre toda a Federação. Apenas nos 3 primeiros meses de 2008 são mais de 5.000 vítimas de mortes violentas (homicídios).
É um exercício de sobrevivência, pior que Afeganistão, Iraque, Líbano e China juntos.
Putz!!!Sem generalizar, por favor!!!!Mainard pensa que o Brasil é só a rua por onde ele passa.
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