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sexta-feira, julho 18, 2014

VIVA JOÃO UBALDO RIBEIRO (1941-2014)

Recolho do site da revista Veja e transcrevo na íntegra a seguir artigo do excelente Sérgio Rodrigues, sobre o grande escritor brasileiro e cronista imbatível do cotidiano nacional que faleceu na madrugada desta sexta-feira. O Brasil perde um de seus maiores escritores enquanto os jornais, já empobrecidos por textos toscos recheados de louvaminhas aos detratores da democracia e da liberdade, não dispõem de ninguém capaz de cobrir a ausência de João Ubaldo Ribeiro. Mormente no que diz respeito à crônica, seara das letras em que poucos ousam se aventurar.
Deve-se ressaltar que a par de seu estilo literário peculiar e grandioso, Ubaldo se destacava em suas crônicas do cotidiano, sobretudo da política, como um dos poucos escritores independentes, quase solitário, haja vista para a safra generosa dos néscios com mania de escritor. 
A inteligência é tão rara no mundos dos humanos que certa vez elaborei a seguinte frase que expressa esta dura realidade: “A humanidade é pródiga na produção da estupidez e extremamente parcimoniosa na geração da genialidade”.
Transcrevo o texto de Sérgio Rodrigues, de sua coluna “Todoprosa”, de leitura obrigatória e na qual sempre se pode aprender muito para não maltratar a inculta e bela. Mantive o título do post no original. Leiam:
O escritor João Ubaldo Ribeiro
Contudo, o escritor baiano João Ubaldo Ribeiro, que morreu esta madrugada no Rio de Janeiro, de embolia pulmonar, aos 73 anos, deixa uma obra-prima incontornável da literatura-brasileira: o romance “Viva o povo brasileiro”, tijolo de 673 páginas lançado em 1984. Eleito para a Academia Brasileira de Letras em 1993 e vencedor do Prêmio Camões em 2008, Ubaldo era “imortal” apenas no título honorífico. Seu principal romance – que tem um começo famoso, com a conjunção adversativa “contudo” introduzindo a frase de abertura, como neste artigo – é imortal literalmente.
Épico da nacionalidade, com sua narrativa espalhada por quatro séculos de história do Brasil e amarrada com o fio mítico e lírico, mas também cômico e irreverente, da reencarnação dos personagens segundo a compreendem as religiões afro-brasileiras, “Viva o povo…” é provavelmente a última – e brilhante – tentativa feita por nossa literatura de dar conta do país como um todo, respondendo artisticamente à pergunta que instigou os grandes intérpretes do Brasil no século XX: o que vem a ser este país enorme, ao mesmo tempo fascinante e infantiloide, generoso e cruel? Foi o último relance que tivemos da imagem inteira. Depois disso veio a contemporaneidade, com o estilhaçamento das referências em mil cacos.
Nascido na ilha de Itaparica, que sempre ocupou lugar de destaque em sua ficção e suas crônicas jornalísticas, João Ubaldo não deixa obra extensa. A lista de seus outros romances inclui títulos como “O sorriso do lagarto”, o sucesso de público (pelo tema libertino) “A casa dos budas ditosos” e, principalmente, “Sargento Getúlio”, livro de 1971 que o projetou nacionalmente e lhe valeu comparações com Guimarães Rosa – rechaçadas pelo escritor baiano, que dizia nunca ter conseguido ler o mineiro. “Nossos santos não se cruzam”, declarou em sua participação na Festa Literária Internacional de Paraty, em 2011 (leia mais aqui). Na mesma ocasião, disse que sua motivação ao escrever “Viva o povo…” era apenas “fazer um livro grosso”.
A proeminência do “livro grosso” em sua obra é amplamente reconhecida. Em abril de 2007, este blog conduziu uma enquete com escritores, críticos e editores brasileiros para eleger o melhor/mais importante livro de nossa ficção nos (então) últimos 25 anos – ou seja, desde 1982. Deu o romance de Ubaldo na cabeça. “Dois irmãos”, de Milton Hatoum, e “Quase memória”, de Carlos Heitor Cony, ficaram empatados em segundo lugar. Leia mais sobre a enquete e seu vencedor aqui e aqui.
Concordo com o crítico Wilson Martins quando ele diz que, em sua obra-prima, Ubaldo “propõe uma visão ideológica da nossa história, estruturada no populismo e no nacionalismo (valores para ele indistinguíveis e intercambiáveis)”. Tais traços o aproximam de outro gigante baiano, Jorge Amado, seu mestre evidente e declarado. Mas é preciso reconhecer que, pelo menos no caso desse livro, o discípulo foi mais longe que o professor.
“Viva o povo…” é Jorge Amado sem a ingenuidade, com o maniqueísmo estrutural de povo bom x elite ruim servindo de pretexto para um festim literário conduzido com volúpia narrativa digna de Pantagruel. A genial descrição de uma batalha da Guerra do Paraguai à moda homérica (leia um trecho aqui), em que orixás tomam o lugar dos deuses gregos, dá uma boa ideia da alta voltagem atingida pela travessura e está entre as maiores páginas da literatura brasileira em todos os tempos.
Agora – numa imitação do que o autor escreveu sobre o fim de um valoroso soldado baiano naquela guerra – a morte lhe toldou os olhos com seu véu pardo e lhe aspirou a alma pela boca, boca que nunca mais emitirá seu timbre grave imitando Dorival Caymmi em canções meio desafinadas, nem nunca mais contará das belezas de Itaparica, onde os mimos-do-céu florescem e cantam mais os passarinhos.
Viva João Ubaldo Ribeiro!

Um comentário:

Anônimo disse...

Fará falta!
Nossa gratidão por teus textos lúcidos, espirituosos e inteligentes.