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sexta-feira, novembro 14, 2008

AFRICANIDADES E A ÉTICA DO TRABALHO

A Igreja Protestante de Rio do Sul (SC) à qual faço alusão no meu texto
Africanidades e a ética do trabalho, foi um texto que escrevi e postei no meu ex-blog. Republico pelo fato de que o ensino obrigatório de cultura africana nas escolas brasileiras continua sendo acalentado pelo governo petralha.

Há pouco descobri um site denominado África 21 Digital, que entrevista o ministro responsável pela Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), na qual anuncia que trabalha pela obrigatoriedade dessa disciplina destinada aos estudos africanos nas escolas.

Eis o meu texto escrito há pouco mais de um ano (a foto da Igreja é do grande fotógrafo rio-sulense Xico Stocker):

Nasci e me criei em Rio do Sul, cidade localizada no Alto Vale do Itajaí, quase no centro do Estado de Santa Catarina, no começo da subida da serra. Essa cidade é marcada fortemente pela influência da cultura germânica, em função de sua colonização por imigrantes alemães, além de italianos.

Entretanto foram os alemães que dominaram culturalmente o Vale do Itajaí. A primeira coisa que esses pioneiros fizeram ao desbravar a exuberante Mata Atlântica que cobre a região, foi construir uma igreja protestante, uma escola e uma maternidade.

A maioria desses alemães professava o credo luterano. E, quando era garoto, já admirava a igrejinha protestante que ficava próxima à minha casa.

Estudei o antigo curso primário na Escola Ruy Barbosa, pertencente à comunidade luterana local e que se originou da antiga deutsche-schule (escola alemã) criada pelos pioneiros.

Recentemente fui a um casamento realizado nessa igreja Luterana em Rio do Sul. E fiquei observando a beleza da igrejinha iluminada e circundada por um bem cuidado jardim.


Só não sei se ainda existe ao lado uma enorme "bagueira", que atraia muitos pássaros. Certa vez, num dia de maio resplandecente e frio, um bando de tucanos invadiu a bagueira. Era no início da tarde.

Em poucos minutos vários caçadores com as suas espingardas rumaram para o morro da igreja. Várias aves foram abatidas naquele dia para de noite transformarem-se em suculentos ensopados. Tudo muito natural naquele tempo. Hoje não admito sequer um pássaro na gaiola. Gosto de apreciá-los livres e contentes.

A vetusta igreja de confissão luterana me lembra o famoso ensaio de Max Weber, A ética protestante e o espírito do capitalismo.


Embora tenha sido educado no credo católico, mas ateu desde tenra infância, certa vez fiquei à porta dessa igreja que estava aberta. Constatei a ausência de genuflexório e também de confessionário. Aquilo me deixou intrigado.

Só muito mais tarde ao ter contato com os escritos weberianos, particularmente sua sociologia da religião, é que compreendi as razões da ausência daqueles equipamentos e de estátuas de santos, comuns nos templos católicos.

Para os evangélicos não existem santos. Venerá-los representa o pecado da idolatria. Além do que o dogma protestante difere fundamentalmente do católico no que respeita à salvação da alma. É por isto que o crente luterano e calvinista vive sempre a angústia da salvação.

Lutero e Calvino, os reformadores que enfrentaram o poder do Papa, não davam moleza.


Advertiam nas suas pregações que ninguém poderá conhecer os insondáveis desígnios de Deus. Aos humanos não é dada condição de saber quem se salvará.

O crente calvinista-luterano terá então que levar uma vida marcada por hábitos espartanos e, ao mesmo tempo, negar os prazeres mundanos e a prodigalidade se quiser salvar a sua alma.

Se pecar não há, como no catolicismo, o sacramento da confissão, rito que purga o católico pecador. Também não adianta rogar de joelhos (daí a ausência de genuflexório).

Por isso, a maioria dos católicos sai do confessionário, comunga rapidamente e, dali a pouco, está praticando aquilo que os dez mandamentos proíbem. Nesse caso, o crente católico retorna ao confessionário e segue toda a sua vida nesse círculo vicioso: peca-limpa-peca...sucessivamente. E, ao final da vida, no leito de morte, um padre administrará a extrema-unção, garantindo ao moribundo um passaporte sem escala no inferno.

No protestantismo essa possibilidade não existe. Se o crente protestante comete uma falta, estará com o passaporte da salvação cassado.


Não há nenhum tipo de purgação terrena capaz de livrá-lo do inferno. Terá que se haver um dia com o rigor implacável dos céus.

Sobra então, como ocupação na vida terrena, o trabalho e a retidão pautados por rigoroso ascetismo. Esse, pelo menos é, ligeiramente, o ensinamento da doutrina protestante de Lutero e Calvino.

Por certo não são todos os crentes que seguirão ao pé da letra o rigor exigido. Mas essas noções com relação à salvação têm um peso avassalador na construção da ação e relação social e na visão de mundo de uma determinada cultura.

Daí, que para Weber, ao contrário de Marx, as superestruturas, onde repousam as crenças e as ideologias, jogam um papel fundamental no que tange à ação social e seu decurso.

Não é à toa que um dos grandes ideólogos do capitalismo norte-americano Benjamim Franklin, advertia: se o teu credor passar pela frente da tua oficina e ouvir o tilintar da bigorna e o ronco da forja, o bolso dele ficará aberto para ti. Mas, se pelo contrário, passar pela frente de uma taberna e te ver bebendo, seus bolsos se fecharão para sempre. Franklin dizia mais ou menos isso, que Weber reproduz em “A ética protestante o espírito do capitalismo”.

Essa noção do trabalho como atividade fundamental capaz de pavimentar o caminho para a salvação, em determinado momento da história contribuiu para a emergência do capitalismo. Trabalho + poupança + investimento + trabalho...e assim por diante.


A ação que poderá garantir o céu é a mesma que impulsiona o capitalismo. Trata-se do famoso conceito de afinidade eletiva entre capitalismo e protestantismo.

Grosso modo, esta é a tese central weberiana. O ensaio de Weber com relação à ética protestante é de um vigor e atualidade extraordinários.

Os estudos que realizei sobre parte da obra de Weber fizeram-me compreender, então, as razões das diferenças marcantes que existem nas áreas colonizadas por luteranos e calvinistas daquelas de pura influência católica.

Falo nisso no meu livro Nazismo em Santa Catarina, que publiquei no ano 2000 e que está com a sua edição esgotada. Reporto-me a este fato quando nesse livro faço um exercício memorialístico daquilo que constatara no cotidiano da minha infância.

O Vale do Itajaí é uma dessas regiões que foram visivelmente influenciadas pela ética do trabalho, a qual se vincula ao dogma protestante que orienta a ação daqueles que adotam esse credo. A maioria dos alemães que colonizou a região do Vale professa o credo protestante.

E isto teve uma importância fundamental para o desenvolvimento econômico desse pedacinho do Brasil. Lutero era alemão. Calvino, suíço. Alemanha e Suíça são tipificadas como Nações que privilegiam a organização e, sobretudo, a seriedade respeitantes ao trabalho.


Para os germânicos é o trabalho que confere sentido à vida. Para os protestantes germânicos, muito mais. Eis aí a diferença. E foi por isso mesmo que na fase posterior ao descobrimento das Américas verificou-se uma onda de pirataria que consistia na aventura nos mares à caça de tesouros e pilhagem. Nessas histórias e lendas não se vê falar, por exemplo, de pirataria alemã.

Essa atividade aventureira em busca do lucro fácil sem trabalho é uma ação típica dos povos ibéricos, como portugueses e espanhóis. No seu clássico Raízes do Brasil, o sociólogo Sérgio Buarque de Holanda alude a esse aspecto que teria influenciado enormemente a formação cultural brasileira.

Franceses e ingleses também estão relacionados à cultura baseada em menos trabalho e mais esperteza e oportunismo. Até hoje o principal jornal de finanças que orienta o mercado internacional continua sendo o respeitado Financial Times editado na Inglaterra.


O inglês prefere, como forma de ganhar a vida, o asséptico ambiente de um banco a ter que meter a mão na massa. O nobre inglês, trajando um indefectível safári com direito a capacete e outros adereços, ou metido num legítimo traje de linho impolutamente branco, contrastando com o gentio em andrajos das colônias, corresponde ao fato de que o trabalho é encarado por ele negativamente. É algo sujo.

Esta é a característica dessas culturas e que contrasta com os valores cultivados pelos alemães.

Recentemente, os jornais divulgaram uma matéria sobre um curso especial que a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diversidade do Ministério da Educação (Secad/MEC) (clique
aqui para ir ao site do Secad/MEC).

O curso, que é destinado a professores, denomina-se “Educação - Africanidades – Brasil”, do Programa de Educação Continuada em Ensino de História e Cultura Afro-Brasileira e Africana.

Trata-se, evidentemente, de mais uma dessas iniciativas do governo lulopetista que segue a cartilha do politicamente correto. Alegam para isso o fato de que existem muitos descendentes de africanos no Brasil e que, portanto, ao lado das cotas raciais nas universidades, essa disciplina terá que ser introduzida nas escolas.

Aí fico imaginando. Já pensaram se as africanidades tivessem prevalecido no Brasil?


Estaríamos hoje vivendo como no tempo do boi e do arado. Duvido que os negros brasileiros desejam retornar para a África. Como duvido que os Estados Unidos, que têm um apreciável contingente da raça negra, tentem fazer com que seus cidadãos aprendam africanidades.

Com todo o respeito que tenho pelas nações africanas e pelos seus descendentes, aquelas culturas não combinam com desenvolvimento. Poderemos ter sofrido algumas influências africanas, como o consumo da farinha de mandioca, do cuscus, do acarajé, além da prática, por algumas pessoas, dos rituais de candomblé. Nada contra.

Nada contra, também, àquelas pessoas que cultuam essas tradições trazidas pelos negros nos tempos do Brasil colônia. E isto já consta dos textos de história do Brasil e da sociologia que não são lidos e nem ensinados.


A maioria dos professores dessas disciplinas nunca leu Casa Grande e Senzala, de Gilberto Freire; Raízes do Brasil, de Sérgio Buarque de Holanda; os Donos do Poder, de Raimundo Faoro, e vai por aí. Há inclusive um ótimo documentário com base em Raízes do Brasil, parece-me dirigido por Nelson Pereira dos Santos.

Entretanto, precisamos urgentemente é fomentar o aprendizado das ciências e a inovação tecnológica.


Precisamos queimar etapas. As universidades devem ter como disciplina obrigatória a Filosofia da Ciência. A maioria dos egressos das nossas universidades não tem idéia nenhuma sobre teoria do conhecimento. Nunca ouviu falar nisso.

Precisamos estimular os jovens a estudar, a pesquisar, a pensar, a aprender inglês e alemão para ter acesso ao que de mais avançado se realiza no campo da ciência, do desenvolvimento e da inovação tecnológica.

E, seguramente, não será com “africanidades” e cotas raciais que derrotaremos o atraso que coloca o Brasil hoje na rabeira do ranking de crescimento dos países emergentes.

Cada vez que viajo ao Vale do Itajaí vou apreciando aquela paisagem típica, as construções germânicas que atestam o trabalho dos colonos pioneiros; as casas rodeadas de lavouras a espremer a BR-470; o linguajar macarrônico dos colonos remanescentes; as fábricas e fabriquetas, enfim, essa saudável tendência capitalística que emerge da ética do trabalho.

E quando piso na minha terra a primeira coisa que faço é visualizar a antiga igrejinha protestante com aquele estilo bonito, simples e despojado. Para mim, ainda que não professe qualquer tipo de religião, a Igreja luterana de Rio do Sul e todo o seu entorno são a expressão material da ética protestante e o espírito do capitalismo.

Deixemos, pois, as africanidades para os africanos.

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