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quinta-feira, janeiro 06, 2011

DANIEL PIPES: Abertura na Arábia Saudita?

Expert em Oriente Médio, o escritor, ensaísta e colunista internacional Daniel Pipes fala sobre o caldeirão do poder que ferve em fogo brando na Arábia Saudita. "Em suma - observa Pipes -  os árabes estão em pleno debate, com o curso futuro da reforma ainda imprevisível. A elite e a opinião pública não apenas desempenham um papel, mas para complicar as coisas muito depende da peculiaridade, da longevidade e da personalidade – em especial, por quanto tempo Abdullah, 86, permanecerá no poder e se seu meio irmão, príncipe herdeiro, Sultão bin Abdulaziz, 82, irá sucedê-lo." Vale a pena ler o artigo aqui na íntegra com tradução de Josephe Skinilk. Read the article in the original English 

No dia 1 de janeiro de 1996, Abdullah bin Abdulaziz se tornou regente e soberano de fato da Arábia Saudita. Esse 15º aniversário que acontece nessa semana apresenta a oportunidade de se revisar as mudanças no reino sob a sua liderança e avaliar para onde está indo.

Abdullah, o rei, 86 anos
O seu país talvez seja o mais incomum e opaco do planeta, um lugar sem uma casa pública de cinema, onde as mulheres estão proibidas de dirigir, onde os homens vendem lingerie, onde um simples botão do sistema de auto destruição pode destruir a infraestrutura do petróleo e onde os soberanos rejeitam até a pátina da democracia. Em seu lugar, eles desenvolveram alguns mecanismos com o objetivo de se manterem no poder, extremamente originais e eficientes.
Três atributos definem o regime: o controle das cidades de Meca e Medina, a homologação da interpretação Wahhabi do Islã e o controle da maior reserva de petróleo do mundo. O Islã define a identidade, o Wahhabismo inspira ambições globais, a riqueza do petróleo financia o empreendimento.
De forma mais intensa, riqueza sem avareza permite aos sauditas lidarem com a modernidade do seu próprio modo. Desprezam paletó e gravata, excluem as mulheres da área de trabalho e até esperam substituir o Horário do Meridiano de Greenwich pelo Horário do Meridiano de Meca.
Não faz muitos anos, a principal contenda no reino era entre a versão monárquica e a versão talibã do Wahhabismo – a interpretação extremada e a versão fanática do Islã. Mas hoje, graças em grande parte aos esforços de Abdullah em "domar o fervor Wahhabi", o mais retrógrado dos países deu alguns passos cautelosos para ingressar no mundo moderno. Esses esforços têm muitas dimensões, desde a educação infantil até os mecanismos para a escolha de líderes políticos, porém, provavelmente, a mais crucial é a luta entre os ulemás, homens versados em leis e religião muçulmana, entre reformistas e linhas dura.
Os termos arcanos dessa disputa tornam-na difícil de ser compreendida. Felizmente, Roel Meijer, holandês especialista em Oriente Médio, apresenta um guia especializado quanto aos argumentos que ocorrem no reino, em seu artigo "Reforma na Arábia Saudita: O Debate Sobre a Segregação Entre os Sexos". Ele demonstra como a mistura dos sexos (ikhtilat em árabe) inspira o debate central sobre o futuro do reino e de que maneira esse debate tem evoluído.
O rigor atual com respeito à separação entre os sexos, observa ele, reflete menos os costumes antigos do que os sucessos do movimento Sahwa na esteira de dois eventos traumáticos em 1979 – a revolução iraniana e a tomada da Grande Mesquita de Meca por radicais do estilo Osama bin Laden.
Abdulaziz, o herdeiro, 82 anos
Quando Abdullah se tornou formalmente monarca em meados de 2005, introduziu solenemente um afrouxamento do que os críticos chamam de apartheid dos sexos. Ocorreram dois eventos importantes em 2009 no que tange maior ikhtilat: a mudança dos funcionários do alto escalão do governo ocorrida em fevereiro e a inauguração da Universidade de Ciência e Tecnologia Rei Abdullah (conhecida como KAUST) em setembro, com classes ostentosamente mistas e até com danças.
Seguiu-se então o debate sobre o ikhtilat, com entrevero entre os membros da casa real, autoridades políticas, ulemás e intelectuais. "Embora a posição das mulheres tenha melhorado desde o 11 de setembro, o ikhtilat demarca as linhas da batalha entre os reformistas e os conservadores [i.e., linhas dura]. Qualquer tentativa em diminuir a sua aplicação é considerada um ataque direto à posição dos conservadores e do próprio Islã".
Meijer conclui sua pesquisa sobre o debate ao denotar que "é extremamente difícil determinar se as reformas estão tendo sucesso e se os liberais ou os conservadores estão obtendo vitórias. Embora a tendência geral seja favorável aos reformistas , a reforma é gradual, hesitante, duvidosa e encontra forte resistência".
O estado sob Abdullah promoveu um Islã mais aberto e mais tolerante, mas argumenta Meijer, "fica óbvio, a partir do debate do ikhtilat, que a batalha não foi vencida. Muitos sauditas estão fartos com a desenfreada interferência das autoridades religiosas em suas vidas e até se pode falar de um movimento contra o clero. Contudo, os liberais se expressam em uma linguagem alienígena ao mundo do Wahhabism de caráter oficial e à maioria dos sauditas, tornando-se muito difícil influenciá-los".
Em suma, os árabes estão em pleno debate, com o curso futuro da reforma ainda imprevisível. A elite e a opinião pública não apenas desempenham um papel, mas para complicar as coisas muito depende da peculiaridade, da longevidade e da personalidade – em especial, por quanto tempo Abdullah, 86, permanecerá no poder e se seu meio irmão, príncipe herdeiro, Sultão bin Abdulaziz, 82, irá sucedê-lo.
A Arábia Saudita, sendo um dos países muçulmanos mais influentes do mundo, os riscos envolvidos são muito altos, não somente dentro do reino mas também para o Islã e para os muçulmanos em geral. Esse debate merece nossa total atenção.

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