Fryderika em S. Francisco do Sul, em 1978, aos 86 anos de idade |
Depois de trabalhar durante quase 20 anos como repórter da revista O Cruzeiro, no Rio de Janeiro, o jornalista catarinense Rogério Martorano, retornou a Santa Catarina em 1977, quando foi dirigir a assessoria de imprensa de Luiz Henrique da Silveira, durante seu primeiro mandato como prefeito de Joinville. Mesmo longe daquela que foi uma agitada redação nos anos 50 e 60 do século passado, Rogério Martorano continuaria ainda como correspondente da revista nessa sua fase derradeira. Com a morte de Assis Chateaubriand, o fundador dos Diários Associados, que editava O Cruzeiro, esse conglomerado de veículos de comunicação experimentou um baque, embora sobreviva até hoje na forma de um condomínio de acionistas editando, ainda, veículos importantes como os jornais Correio Braziliense e o Estado de Minas. Falo sobre isso num post do mês passado intitulado "Rogério Martorano: o homem que colocou Santa Catarina no mapa do Brasil", que conta como um detalhe da histórica Revolução de 30, construiria anos mais tarde a carreira jornalística de Rogério Martorano no Rio de Janeiro.
Rogério dedicava-se à elaboração de matérias especiais, garimpando aqueles fatos exclusivos de importância nacional e internacional. Mantendo sempre um ótimo relacionamento com as pessoas - o que cultiva até hoje - muitas dessas pautas que geraram reportagens especiais lhe eram sopradas ao pé do ouvido. Foi o que aconteceu quando soube que em São Francisco do Sul, a 40 quilômetros de Joinville vivia discretamente, aos 86 anos de idade, Fryderika Michailiszm, que na juventude em Viena, na Áustria, tinha sido a namorada daquele que anos mais tarde viria a ser o famigerado assassino antissemita Adolf Hitler. Fryderika viveu em Santa Catarina até a sua morte, depois de passar por outras cidades do Brasil, para onde imigrara após a 1a Grande Guerra. Por muitos anos exerceu o trabalho de parteira.
Rogério Martorano foi a São Francisco do Sul entrevistar Fryderika, o que rendeu uma reportagem de quatro páginas em O Cruzeiro, com ampla repercussão internacional. A matéria foi publicada na edição nº 2428, no ano de 1978, que transcrevo na íntegra. Acompanhou Rogério o fotógrafo Phelippe José. Mantenho o texto desta reportagem publicada em 1978, sem alteração, com observações apenas sobre algumas datas. Leiam:
Fryderika, aos 30 anos. |
Quase diariamente o moço alto, de rosto pálido (ela o achava bonito), inteligente e amável, passava defronte de sua casa na Rua Leczakoska, no centro de Viena.
Fryderika era uma garota de pouco mais de 16 anos, feições meigas, estudante.
Com o tempo fizeram amizade e, apesar da timidez do rapaz, que tinha na época dois anos mais do que ela, algumas manhãs, quando ia para a escola, às 8 horas, costuma parar ao lado da igreja de Santo Antônio para conversar com ele.
- Eu gostava dele - diz Fryderika Michailiszm, que tem hoje 86 anos (na época desta reportagem em 1978) - sempre foi muito cordial comigo. Era um rapaz pessimista.
- Eu gostava dele - diz Fryderika Michailiszm, que tem hoje 86 anos (na época desta reportagem em 1978) - sempre foi muito cordial comigo. Era um rapaz pessimista.
Costumava se queixar da vida e da espécie de trabalho que fazia. Tinha planos de abandonar a vida mesquinha e sufocante de Viena e ir servir o exército na Alemanha.
Fryderika interrompe a narração, por um momento fica distante. Aos poucos liga novas palavras, recordações:
- Ele também morava na Rua Leczakoska e nessa época trabalhava como pintor. Lembro-me que um dia passou de bicicleta, levava latas de tinhas, pincéis e uma grande escada nas costas. Parou para falar comigo e disse que ia pintar uma casa perto da rua onde morávamos. Queixou-se muito daquele trabalho e repetiu mais uma vez que sua vontade era largar tudo e ir para a Alemanha.
Hitler antes de se tornar o Führer |
JOVEM MISTIFICADOR - Fryderika fala com naturalidade sobre o amigo. Chama-o de Adolfo, outras vezes simplesmente de Hitler. A amizade de Hitler com a menina da Rua Leczakoska prolongou-se por mais de três anos. Todas as datas coincidem, apenas os historiadores não dizem que Hitler morou nessa rua. As contradições desse período, porém, originam-se do fato de Hitler esconder suas inúmeras moradias e a maneira como vivia em Viena.
Sua reprovação na Escola de Belas-Artes de Schllerplatz, em outubro de 1907, e a recusa de inscrição em 1908, porque os trabalhos que apresentou não satisfaziam às condições exigidas pela escola, criaram nele complexos profundos.
Diz Joachim Fest (um dos principais biógrafos de Hitler): "Humilhado e visivelmente constrangido, passou a fugir da companhia de semelhantes. Casada e morando em Viena, sua irmã consanguínea, Ângela, deixou de ter notícias suas. Seu tutor não recebeu dele senão um breve cartão postal. E, ao mesmo tempo, a amizade com Kubizek foi bruscamente interrompida. Adolf aproveitou uma ocasião em que August (kubizek) se afastara temporariamente de Viena para deixar de vez o quarto onde moravam, sem um bilhete de despedida e desaparecer então na obscuridade dos abrigos para indigentes e albergues...".
Durante o período de 1908 até alguns meses de 1912, enquanto durou a amizade entre os dois jovens, Hitler tornou-se um mistificador e mentiroso, ocultando até dos companheiros de quarto suas atividades, a reprovação na escola de Belas Artes e o dinheiro que recebia de Linz, sua cidade natal, proveniente da herança do pai, o que herdou da mãe e a pensão de órfão, cerca de cem coroas por mês, equivalmente ao ordenado de um assessor jurídico na época, segundo Fest.
Nesse período, "moço bonito e cordial" fugia do serviço militar de Linz, de seus fracassos como estudante e do trabalho. Tinha sonhos quase alucinantes de grandeza, de domínio e se embebedava na música de Richard Wagner, no pangermanismo, no darwinismo social, nas ideias segregacionistas e no anti-semitismo que o levou à violência nos anos 30 do século XX.
Nos últimos dois anos de vida em Viena, todos os histortiadores informam que Hitler realmente estava na miséria e sua exasperação contra os judeus, comunistas e as "raças inferiores" era muito acentuada.
A SURPRESA DE FRYDERIKA - Dona Fryderika só ouviria falar novamente de Hitler quando morava em Porto Alegre: "Um dia vi o retrato dele em um jornal. Estranhei, pois não imaginava que tivesse subido tanto na vida. A foto mostrava um homem já diferente, fardado, de bigodinho. Lembrei-me de suas reclamações e cheguei a ficar contente em saber que os seus grandiosos sonhos tinham sido realizados."
- Quando vim morar em São Francisco do Sul, Santa Catarina, quando começou a guerra de 1939 (Segunda Guerra Mundial), ouvia seu nome quase todos os dias no rádio, mas todo mundo falava mal dele e eu não podia acreditar que tivesse mudado tanto. E ficava calada, pois ninguém entenderia o que se passava comigo.
Fryderica Michailiszm nasceu em 1890, dois anos depois do ditador nazista. É natural de Lembert, na Polônia.
Atualmente (na época desta reportagem, em 1978) reside na cidade de histórica de São Francisco do Sul, 40 quilômetros distante de Joinville (SC). Aos 10 anos de idade foi morar em Viena, Áustria, onde permaneceu oito anos. Veio para o Brasil depois da Primeira Grande Guerra (1914-18), como muita gente, "porque todo mundo dizia que logo ia começar outra guerra na Europa, maior do que a que acabara." Casou-se em São Paulo com o polonês Henrique Andre Michailiszm, natural de Danzig. Seu pai era o conde Hendrich von Ritter e sua mãe a condessa Maria Kowalska Fryderika.
Chegou ao Brasil em companhia da mãe. O conde Hendrich, que era tenente em Lembert, morrera na Polônia.
No Brasil, residiu em São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Em São Francisco do Sul exerceu a profissão e parteira.
- Eu já botei cerca de 8 mil crianças no mundo. Já trouxe ao mundo alguns homens famosos de Santa Catarina, médicos, advogados, políticos.
- Eu já botei cerca de 8 mil crianças no mundo. Já trouxe ao mundo alguns homens famosos de Santa Catarina, médicos, advogados, políticos.
Ela confirma um pormenor conhecido, citado por alguns historiadores: o ódio de Hitler contra os judeus tinha origem na suposta perseguição que estes moveram contra ele e que resultou na rejeição de seu nome na Escola de Belas-Artes. "Ele não podia esquecer isso"- diz Fryderika.
Puxando pela memória e com a voz fraca ela diz que "esses fatos se passaram quando eu tinha de 13 a 14 anos de idade e Hitler 18". Na realidade ela deveria estar com 16 para 17 anos, quando conheceu aquele "moço bonito". Vários fatos coincidem com o tipo de vida quer levava Hitler em Viena, e com as referências emocionais da menina-moça, namoradinha platônica do pintor que incendiaria o mundo.
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2 comentários:
Aluízio, bem oportuno esta reportagem e bem citado o livro de Joachim Fest que conseguiu esgotar a vida de Hitler.Fryderika até que foi uma mulher de sorte, ficando apenas como a namoradinha platônica do insano se livrando de uma morte prematura e inglória.Na vida existe acontecimentos insólitos.Quando vejo o rumo ideológico que o Brasil leva me lembro o inicio de "LuLinha paz e amor" quando era apenas um sindicalista de boteco mas que mostrava do que era capaz criando clima de terror nas portas das fábricas.Costumava, como sindicalista perseguir seus desafetos principalmente se estes eram engenheiros, gerentes e até diretores.Funcionários com altos postos costumavam receber ameaças telefônicas quando resistiam à suas investidas na baderna das greves.Já mostrava seu horror pela educação.O tempo passa e fatos se cruzam espantosamente, quem diria!..O carnaval é a festa da fantasia insana de reis e rainhas de mentira e há um carro alegórico para transportá-lo ( se os médicos permitirem...).Quem sabe como um patético rei momo sonhador!
Prezado Anônimo
Elle não irá ao desfile, aparentemente por recomendação médica. No fundo, acho que elle não vai por ter medo de levar uma tremenda vaia na avenida do samba.
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