Transcrevo na íntegra análise de Daniel Pipes, expert em questões relacionadas ao Oriente Médio, sobre a rebelião que vem ocorrendo no Egito. A tradução é assinada por Joseph Skilnik. Não tenho me ocupado em comentar a respeito porque noto insufiência nas informações veiculadas pela grande mídia internacional. Neste caso, o artigo de Daniel Pipes, conceituado analista internacional, joga alguma luz sobre a crise egípcia e seus possíveis desdobramentos. O original em inglês está aqui: Turmoil in Egypt. Vale a pena ler:
Conforme o já muito antecipado momento de crise ter chegado ao Egito e rebeliões populares terem abalado governos por todo o Oriente Médio, o Irã encontra-se mais do que nunca no ponto central da região. Seus governantes islamistas estão prestes a dominar a região. Porém é difícil as revoluções terem sucesso e eu imagino que os islamistas não irão atingir um avanço extraordinário no Oriente Médio e que Teerã não irá surgir como o mais influente. A seguir apresento o que me leva a essa conclusão:
Gen. Omar Suleiman |
Um eco da revolução iraniana: Ao chegar ao poder em 1979, o Aiatolá Ruhollah Khomeini procurou espalhar a insurreição islamista a outros países, mas fracassou praticamente em todas. Parece que três décadas tiveram que passar antes que a imolação de um vendedor em uma obscura cidade na Tunísia, pudesse acender a conflagração à qual Khomeini aspirava e que as autoridades iranianas ainda almejam.
Parte de uma guerra fria no Oriente Médio: O Oriente Médio tem por anos sido dividido em dois grandes blocos envolvidos em uma guerra fria pela conquista da influência. O bloco de resistência liderado pelo Irã inclui a Turquia, Síria, Gaza e o Catar. O bloco do status quo liderado pela Arábia Saudita inclui o Marrocos, Argélia, Tunísia, Egito, Cisjordânia, Jordânia, Iêmen e os emirados do Golfo Pérsico. Observe que nos últimos dias o Líbano está passando do status quo para a resistência e que os tumultos estão ocorrendo somente nas regiões do status quo.
A situação peculiar de Israel: Os líderes israelenses estão calados e a quase irrelevância de Israel nesse aspecto enfatiza a centralidade iraniana. Embora Israel tenha muito a temer com os ganhos iranianos, eles simultaneamente realçam o estado judeu como uma ilha de estabilidade e o único aliado confiável do Oriente Médio.
Falta de ideologia: O uso de slogans e de teorias de conspiração que dominam o discurso no Oriente Médio estão visivelmente ausentes das multidões reunidas em frente a instituições governamentais exigindo o fim da estagnação, arbitrariedade, corrupção, tirania e tortura.
Forças armadas vs. Mesquita: Os recentes acontecimentos confirmam que as mesmas duas forças, as forças armadas e os islamistas, dominam cerca de 20 países do Oriente Médio: as forças armadas posicionam a força bruta e os islamistas fornecem a visão. Há exceções – a esquerda vibrante na Turquia, facções étnicas no Líbano e no Iraque, democracia em Israel, controle do Irã pelos islamistas – mas aquele padrão se mantém.
Iraque: O país mais volátil da região, o Iraque, está ostensivamente ausente das manifestações pelo fato da sua população não estar enfrentando décadas de autocracia.
Um golpe militar? Os islamistas desejam repetir o sucesso no Irã aproveitando-se dos tumultos com o intuito de tomarem o poder. A experiência da Tunísia merece um exame minucioso em busca de um padrão que poderá se repetir em outro lugar. Lá a liderança militar aparentemente concluiu que o homem forte, Zine El Abidine Ben Ali, estava saindo muito caro – especialmente com a gritante corrupção da família da sua esposa – para ser mantido no poder, de modo que o expulsaram e além disso emitiram um mandado de captura internacional para a sua detenção e da sua família.
Feito isso, praticamente toda a antiga guarda permanece no poder, com o mais graduado oficial militar, Chefe do Estado-Maior Rachid Ammar, aparentemente tendo substituído Ben Ali como o homem mais influente do país. A velha guarda espera que administrar ajustes finos ao sistema, conceder mais direitos civis e políticos irá ser o suficiente para se manter no poder. Se essa artimanha der certo, a aparente revolução de meados de janeiro irá terminar como um mero coup d'état.
Esse cenário poderia se repetir em qualquer lugar, especialmente no Egito onde os soldados dominam o governo desde 1952 e tencionam manter o seu poder contra a Irmandade Muçulmana que eles têm reprimido desde 1954. A nomeação de Omar Suleiman pelo homem forte Sr. Hosni Mubarak termina com as pretensões dinásticas da família Mubarak e aumenta a perspectiva da renúncia de Mubarak em favor de um governo militar direto.
De maneira geral, eu aposto no modelo de mais continuidade do que mudança, que surgiu na Tunísia até agora. O governo mão de ferro será um tanto menos rigoroso no Egito e em outros lugares mas os militares em última análise permanecerão os mais influentes.
Política externa dos Estados Unidos: O governo dos Estados Unidos tem um papel vital no que se refere a ajuda aos estados do Oriente Médio para que passem da tirania à participação política sem que os islamistas se apoderem do processo. George W. Bush teve a ideia certa em 2003 ao pedir democracia, mas arruinou o esforço exigindo resultados imediatos. Inicialmente Barack Obama reverteu a velha política de congraçamento com tiranos; agora ele alinha-se cegamente com os islamistas contra o Sr. Mubarak. Ele deveria imitar Bush, porém com melhores resultados, compreendendo que a democratização é um processo que leva décadas, que requer a fixação de ideias que se contraponham às ideias intuitivas sobre eleições, liberdade de expressão e estado de direito.
Parte de uma guerra fria no Oriente Médio: O Oriente Médio tem por anos sido dividido em dois grandes blocos envolvidos em uma guerra fria pela conquista da influência. O bloco de resistência liderado pelo Irã inclui a Turquia, Síria, Gaza e o Catar. O bloco do status quo liderado pela Arábia Saudita inclui o Marrocos, Argélia, Tunísia, Egito, Cisjordânia, Jordânia, Iêmen e os emirados do Golfo Pérsico. Observe que nos últimos dias o Líbano está passando do status quo para a resistência e que os tumultos estão ocorrendo somente nas regiões do status quo.
A situação peculiar de Israel: Os líderes israelenses estão calados e a quase irrelevância de Israel nesse aspecto enfatiza a centralidade iraniana. Embora Israel tenha muito a temer com os ganhos iranianos, eles simultaneamente realçam o estado judeu como uma ilha de estabilidade e o único aliado confiável do Oriente Médio.
Falta de ideologia: O uso de slogans e de teorias de conspiração que dominam o discurso no Oriente Médio estão visivelmente ausentes das multidões reunidas em frente a instituições governamentais exigindo o fim da estagnação, arbitrariedade, corrupção, tirania e tortura.
Forças armadas vs. Mesquita: Os recentes acontecimentos confirmam que as mesmas duas forças, as forças armadas e os islamistas, dominam cerca de 20 países do Oriente Médio: as forças armadas posicionam a força bruta e os islamistas fornecem a visão. Há exceções – a esquerda vibrante na Turquia, facções étnicas no Líbano e no Iraque, democracia em Israel, controle do Irã pelos islamistas – mas aquele padrão se mantém.
Iraque: O país mais volátil da região, o Iraque, está ostensivamente ausente das manifestações pelo fato da sua população não estar enfrentando décadas de autocracia.
Um golpe militar? Os islamistas desejam repetir o sucesso no Irã aproveitando-se dos tumultos com o intuito de tomarem o poder. A experiência da Tunísia merece um exame minucioso em busca de um padrão que poderá se repetir em outro lugar. Lá a liderança militar aparentemente concluiu que o homem forte, Zine El Abidine Ben Ali, estava saindo muito caro – especialmente com a gritante corrupção da família da sua esposa – para ser mantido no poder, de modo que o expulsaram e além disso emitiram um mandado de captura internacional para a sua detenção e da sua família.
Feito isso, praticamente toda a antiga guarda permanece no poder, com o mais graduado oficial militar, Chefe do Estado-Maior Rachid Ammar, aparentemente tendo substituído Ben Ali como o homem mais influente do país. A velha guarda espera que administrar ajustes finos ao sistema, conceder mais direitos civis e políticos irá ser o suficiente para se manter no poder. Se essa artimanha der certo, a aparente revolução de meados de janeiro irá terminar como um mero coup d'état.
Esse cenário poderia se repetir em qualquer lugar, especialmente no Egito onde os soldados dominam o governo desde 1952 e tencionam manter o seu poder contra a Irmandade Muçulmana que eles têm reprimido desde 1954. A nomeação de Omar Suleiman pelo homem forte Sr. Hosni Mubarak termina com as pretensões dinásticas da família Mubarak e aumenta a perspectiva da renúncia de Mubarak em favor de um governo militar direto.
De maneira geral, eu aposto no modelo de mais continuidade do que mudança, que surgiu na Tunísia até agora. O governo mão de ferro será um tanto menos rigoroso no Egito e em outros lugares mas os militares em última análise permanecerão os mais influentes.
Política externa dos Estados Unidos: O governo dos Estados Unidos tem um papel vital no que se refere a ajuda aos estados do Oriente Médio para que passem da tirania à participação política sem que os islamistas se apoderem do processo. George W. Bush teve a ideia certa em 2003 ao pedir democracia, mas arruinou o esforço exigindo resultados imediatos. Inicialmente Barack Obama reverteu a velha política de congraçamento com tiranos; agora ele alinha-se cegamente com os islamistas contra o Sr. Mubarak. Ele deveria imitar Bush, porém com melhores resultados, compreendendo que a democratização é um processo que leva décadas, que requer a fixação de ideias que se contraponham às ideias intuitivas sobre eleições, liberdade de expressão e estado de direito.
5 comentários:
"Inicialmente Barack Obama reverteu a velha política de congraçamento com tiranos; agora ele alinha-se cegamente com os islamistas contra o Sr. Mubarak".
Isso é preocupante, Aluízio, MUITO preocupante.
E até um pco revelador sobre quem é Obama, penso eu.
Apoiar islamitas no poder, SABENDO q esse pessoal não presta, no mínimo, ou é uma ingenuidade fora do comum, ou uma estupidez aviltante, ou uma desonestidade infernal.
Tomemos cuidado! - E torçamos para que os egípcios sejam os verdadeiros vencedores desta batalha(o q acho impossível, se a tal da "máfia" muçulmana - pq aquilo ali q eles chamam de "irmandade" tá mais é p/ "cosa nostra" mesmo - chegar ao poder).
Concordo com Morena, quem conhece a religião Islâmica, precisa saber que o cerne dessa religião é dominar o mundo.
E´melhor por as barbas de molho..E temo por Israel.
Qualquer um que ñ procura informações sobre Obama na 'mas media' sabe que Obama é um traidor dos ideais libertários e democráticos. Tem se curvado aos mais perigosos títeres no Oriente Médio. Sua própria tragetória educacional e política foi patrocinada por xeiques sauditas. Quanto ao Egito, os manifestantes e a oposição querem um governo mais títere que o atual. Esses povos são desequilibrados e venais, todo alerta é pouco para o Ocidente democrático e Israel.
Olha pessoal, o fato é que no Egito, como aliás em todo o OM, os militares estarão no centro de qualquer processo. Seja de estabilização ou de piora da situação. Entendendo-se estabilização como a atenuação de ameaças mais radicais. Depois dos militares, a provável maior força é a Irmandade Muçulmana, que tem forte penetração na população. As demais não parecem ter suficiente poderio para definir a crise. Mas, poderão ajudar bastante. Outra leitura, a de que uma guerra civil, estaria fora de cogitação. Senão, já teria sido iniciada. Outra leitura. Uma guerra ou ameaças militares a vizinhos, também estaria fora de cogitação. Simplesmente porque os egípcios, não estariam preparados para uma guerra neste momento. A questão ainda está internalizada no Egito e eles é que resolverão, de uma forma ou outra.
MILITARES SÃO MODERNIZANTES.
Muito boa a entrevista do Sr. Pipes. Gostaria de acrescentar que isso que ele fala dos militares tem muito de verdade.
Nos países árabes e nos islâmicos as forças armadas têm sido, ao longo do tempo, desde o início do Sec. XX, a porta de entrada da modernização estilo ocidental.
Isso foi muito bem examinado pelo historiador inglês chamado Arnold Toynbee, há mais de 50 anos, no livro
"Estudos de História contemporânea".
Ele conta que os países orientais, para barrar o avanço do ocidente (devido à tecnologia, ciência, medicina e outras coisas) tiveram que adotar algumas das modernidades.
O primeiro a perceber isso foi Ataturk, na Turquia, que viu que para enfrentar os ocidentais, em primeiro lugar, tinha que modernizar as forças armadas. Desde então, as academias militares passaram a preparar muito bem seus futuros oficiais, mandando-os estudar no exterior ou importando especialistas em várias áreas para cursos. Por curioso que pareça, a modernização das forças armadas (era só cavalaria, mesmo) foi o cento de difusão da modernização da população civil em vários desses países.
Não estou considerando que em muitos lugares houve ou haja ditaduras. Mas tais ditaduras procuram diminuir o peso modelador da religião islâmica que tende a implantar regimes teocratas e de costumes retrógrados.
Assim, o exército do Egito, apesar de um pouco infiltrado por militares de formação islâmica radical (eles mataram Sandat, lembram-se?) ainda é uma força que, apesar do caráter ditatorial, vai garantir um estilo de vida ocidental e mais moderno aos egípcios.
Acho que é disso que se trata. O problema dos radicais islâmicos, nos países mais modernizados, é que a população não vai querer, também, livrar-se de um ditador como Mubarak para ter um estado islâmico fechado emque as mulheres não possam trabalhar, sair às ruas sozinhas, estudar, trabalhar, ouvir música, etc, como no Afeganistão. Os islâmicos radicais impõem uma ordem também, como os militares, mas muito mais retrógrada.
Gutenberg. J, (laudaamassada blogspot)
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